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Também penso no amor mais do que deveria. E com certeza toma grande parte do meu tempo.
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Também penso no amor mais do que deveria. E com certeza toma grande parte do meu tempo.
Relatamos que a cantada é do signo da sedução porque insinua uma promessa de
aventura não apenas sexual, mas amorosa. A sedução é desvio, é transgressão, mas
é também o atrair, encantar, fantasiar, prometer o paraíso, é prender o outro no
seu próprio desejo.
A linguagem é um acessório essencial ao desempenho de um
sedutor; não raro o sedutor é um poeta ou alguém que utiliza a linguagem como um mágico manobrando sua cartola. Vejamos, ainda que de forma breve, o que era (ou
ainda é) a linguagem para alguns dos grandes sedutores do Ocidente.
Don Juan
é, em qualquer de suas versões, um homem de conversa ligeira e fascinante, que
só existe enquanto força de expressão e convencimento; a sua capacidade
comunicativa, ou a lábia que confunde os espíritos, é a sua espada. Visto que
para ele a conquista é mais importante que o próprio ato sexual, Don Juan só
existe como processo de sedução, isto é, na escolha e no uso da linguagem
sinuosa, que promete o amor eterno que ele sabe não ser capaz de dar. Don Juan
quer
ser amado profundamente, mesmo sabendo que jamais poderá oferecer
reciprocidade: ele quer ser o único para cada uma de suas mulheres, ainda que
elas representem para ele apenas uma vitória materializada numa lista, que
alimentará a sua conversa com o seu camareiro-ouvinte-duplo. Don Juan só existe
na sedução de suas mulheres e nas histórias que ele conta sobre elas, saboreando
cada ínfimo detalhe.
Casanova, diferente de Don Juan, é um personagem
histórico vivo e localizável no tempo, dono de sua voz e que assume os seus
próprios sentimentos. Se a palavra é também fundamental em Casanova, ela é
complementada por um real interesse e paixão que ele desperta nas mulheres, mas que também sente por elas, bem como pela vida em geral. Casanova conquista
porque se apaixona e sofre por suas paixões, porém tem o caráter inconstante,
aventureiro e volúvel, sendo sempre infiel. A linguagem em Casanova não é apenas verbal, mas ainda se expressa na vaidade com que cuida de suas vestimentas e
alimentação, assim como no genuíno prazer das suas relações sociais e
intelectuais, ou seja, mesmo que as mulheres sejam o centro da vida de Casanova, ele sente enorme prazer na convivência com a beleza, em usufruir de bons
alimentos e bons livros, em apreciar o teatro e em uma boa conversa. Casanova é
um intelectual respeitado e aceito nos círculos artísticos, literários e
políticos. Preocupa-se em encantar com uma conversa rica, inteligente e
divertida não somente as mulheres, mas todos os interlocutores que cruzam
o
seu caminho. A linguagem em Casanova é muito mais ampla que em Don Juan,
pois o primeiro inclui o outro, é aberto ao mundo, enquanto o segundo é aberto
apenas a si próprio, conversa somente consigo mesmo. Mas, na nossa opinião, não
é Don Juan, nem Casanova, quem leva a linguagem (onde a sedução e,
portanto, a cantada se incluem) tão longe. É Johannes, de Kierkegaard, que dá
toda a importância e vida ao aspecto estético da linguagem sedutora, sustentado
numa correspondência profícua com a sua Cordélia. Diferente de Don Juan e de
Casanova, Johannes não é volúvel nem inconstante, aliás, ele é sedutor de uma
única mulher, porém faz dela o seu desafio, alegria, desespero e troféu.
Considera sua missão despertar a poesia estética que só a paixão pode fazer
emergir. Ele “constrói” cada carta como um argumento precioso, que deve tocar
determinadas veias sensíveis até que Cordélia seja toda a sensualidade sensual.
Johannes nunca dormiu com ela, nem tampouco está interessado num amor carnal,
mas, sim, em despertar o desejo dela nos seus esconderijos mais profundos.
Johannes ama Cordélia e usa a experiência estética da linguagem poética para
produzir em sua alma a vontade de uma entrega absoluta, onde, é claro, a
maldição tem lugar cativo.